segunda-feira, 10 de junho de 2013

Os Bundas de Couro

Ele era o pai da minha avó materna, portanto meu bisavô. Era um cearense baixinho, de cabeça achatada e pescoço curto. Antônio Pinto Pereira desde muito jovem aprendera o ofício do pai que era ourives. Entrou para o exército e passou a ser chamado de cadete Pinto. Corria o ano de 1864. Na longínqua terra de Iracema – a virgem dos lábios de mel, as notícias chegavam com atraso. Entretanto todos comentavam que a honra do Imperador e de todos os brasileiros não podia ser enxovalhada pelo ambicioso Solano Lopes, governante do Paraguai. Quase 150 anos depois, a História quer nos situar como tudo aconteceu. Através da ótica de qual historiador chegaríamos mais perto da verdade? Para mim fica evidente que as jovens nações sul-americanas da época logo aprenderam o jogo do poder e da conquista a despeito de muitas vidas e famílias despedaçadas. Francisco Solano Lopes almejava aumentar o território paraguaio e conseguir uma saída até o Oceano Atlântico através dos rios da Bacia do Prata. Assim começou com seus movimentos bélicos. Brasil, Argentina e Uruguai se uniram através de um acordo conhecido como a Tríplice Aliança, com o objetivo de deterem o Paraguai. Antes da guerra, o Paraguai era uma potência econômica na América do Sul. Além disso, era um país independente das nações europeias. Para a Inglaterra, este país era um exemplo que não deveria ser seguido pelos demais países latino-americanos, que eram totalmente dependentes do império inglês. Foi por isso que os ingleses ficaram ao lado dos países da Tríplice Aliança, emprestando dinheiro e oferecendo apoio militar. Foi interessante para a Inglaterra enfraquecer e eliminar um exemplo de sucesso e independência na América Latina. A Guerra do Paraguai durou seis anos; contudo já no terceiro ano, o Brasil via-se em grandes dificuldades com a organização de seu exército. Além do inimigo, os soldados brasileiros tinham que lutar contra a falta de alimentos, de comunicação e ainda contra as epidemias que se alastravam com muita facilidade matando tanto quanto as armas. Meu bisavô foi tomado de grande ardor patriótico. Alistou-se para lutar na guerra e assim embarcou num navio. Depois de alguns dias aportou no Rio de Janeiro. A partir desse ponto a viagem deveria prosseguir por terra. A tropa precisava descobrir estradas e picadas, arranjar comida, desbravar regiões inóspitas. Alguém saberia informar onde estavam o imperador e seu séquito de condes, viscondes, marqueses, dinamarqueses e barões? Bem, diz a História que a última batalha foi liderada pelo Conde D’Eu, genro de D. Pedro II. Quando os soldados finalmente chegaram a Corumbá estavam tão maltrapilhos, com uniformes remendados com pedaços de couro, que mereceram o apelido de “bundas de couro”. Ali mesmo às margens do rio Paraguai, na tríplice fronteira - Brasil, Paraguai e Bolívia, ficaram sabendo do fim da guerra com a morte de Solano Lopes em Cerro Cora. Cadete Pinto sentou num tronco de árvore às margens do grande rio e suspirou. Experimentava sentimentos ambivalentes, tanto sacrifício para nada; mas graças a Deus podia descansar, podia pensar em viver uma vida normal. Tão jovem ainda, tão cheio de energia e esperanças. Foi quando ficou sabendo que o exército brasileiro lhe dava duas opções: continuar servindo ali mesmo, pois não havia recursos para mandá-lo de volta à sua terra natal ou pedir baixa. Resolveu deixar o exército e procurar um lugar onde pudesse exercer o ofício de ourives até conseguir dinheiro suficiente para voltar para o Ceará. De Corumbá viajou até a capital, Cuiabá. O auge do ciclo do ouro na província de Mato Grosso já tinha passado, mas achou boa oportunidade de trabalho como ourives na cidade de Livramento. Ali encontrou uma moça por quem se apaixonou. Leonora era miudinha e tímida, mas o cadete viu nela atrativos incontestáveis e logo se prendeu naquelas melenas negras e pesadas. Depois do casamento foram morar em Rosário-Oeste, a uns 100 km ao norte de Cuiabá. Cadete Pinto enviuvou-se precocemente e sozinho acabou de criar os filhos. Nunca mais voltou ao Ceará. Nunca mais viu seus parentes da terra natal. Minha avó materna era filha do cadete Pinto e Leonora. Ela herdou o temperamento tranquilo e os traços indígenas da mãe. Alguma semelhança com a neta que agora já é avó também? "Precisamos aprender a meditar sobre a história de nossas vidas!"
Litoral cearense - Praia do Cumbuco