sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A menina que gostava de mangas

O conto ou romance não tem nenhum compromisso com a veracidade dos fatos, mas sempre achei mentirosos aqueles avisos, "esta obra é fictícia, qualquer semelhança com algo ou alguém é mera coincidência". Por isso não hesito em dizer,o conto que segue foi inspirado, sim, na minha própria infância.



- Desce já, Mariana. Está na hora de você tomar banho.
- Ah! Mamãe. Espera um pouquinho. Eu só quero comer mais uma manga. Tem uma, bem madurinha!
Comer frutas trepada na própria árvore, brincar e cantar cantigas de roda com as amigas vizinhas era tudo que Mariana precisava para viver a sua vidinha de criança feliz e despreocupada. Simples assim.
A menina morava numa casa modesta numa rua empoeirada, mas havia um quintal ma-ra-vi-lho-so! Bom para ter árvores frutíferas: mangueiras, goiabeiras, cajueiros... e alguns bichinhos também.
Naquele quintal os bichos viviam soltos e igualmente felizes. Pedro, o irmão, gostava muito de brincar com o vira-lata Toko que se chamava assim porque era pitoco.
- Toko é o mais inteligente de todos os bichos e só ele me entende. – dizia Pedro afagando seu animal de estimação. Já Mariana preferia os filhotes, fosse o que fosse. Gostava dos gatinhos, cachorrinhos, coelhinhos e até dos pintinhos, mas destes ela não podia se aproximar muito por causa dos zelos excessivos da choca.
No entanto nem sempre Mariana podia estar feliz. Às vezes se desentendia com Pedro ou se chateava com as cobranças de sua mãe. Nessas ocasiões ela se refugiava na sua mangueira preferida e se era temporada de mangas, aproveitava para se deliciar com as frutas e esquecer as chatices da vida.
Mas chegou um dia quando seu pai anunciou solenemente:
- Vamos nos mudar para a capital. A gente precisa tentar uma vida melhor por lá. E vocês, crianças, precisam estudar muito. Lá, vão ter mais oportunidades.
Mariana sentiu um aperto no coração. “Co... como assim? E quem vai cuidar do nosso quintal, dos bichos, e da minha mangueira...” Tudo parecia rodar na sua cabecinha. Seu irmão dizia que ela era boba, que na cidade grande tudo é mais divertido. Iam poder ir ao cinema, ao circo e outras coisas mais. Mas Mariana não se convencia de que seria bom deixar seu pequeno e amado mundo. À noite tinha sonhos estranhos. Certa vez, logo depois de ter deitado a cabeça no travesseiro, ela se viu bem no alto de sua mangueira comendo mangas douradas, mas um vento forte começou balançar os galhos perigosamente. Ela gritava, “socorroooooo”, quando um raio partiu a mangueira ao meio e tudo desabou. Acordou assustada e suando frio. “Ufa, ainda bem que foi só um sonho”, pensou ela e adormeceu de novo. Acordou cedo no dia seguinte, lembrava do sonho com muita nitidez. Instintivamente correu até o quintal e conferiu tudo, a sua querida mangueira estava lá, no mesmo lugar de sempre e do mesmo jeito. Então decidiu no seu coração, “quando chegar o dia da mudança, eu subo no galho mais alto e de lá eu não saio, de lá ninguém me tira”.
O tempo foi passando. Um dia quando Mariana voltava da escola, a pé, junto com outras crianças, ficou horrorizada com uma cena de pura maldade e terrorismo que um menino praticava contra um pobre gato. Ele rodava o gato
pelo rabo e o batia contra a parede da casa. Logo havia uma multidão de crianças assistindo estáticas àquela cena brutal. Mariana se afligia e estava para avançar contra o menino quando uma mulher, supostamente a mãe do “capetinha”, apareceu e acabou com tudo.
Mariana, desde o seu nascimento, ouvia sua avó repetir sem parar que “quem não gosta de bichos, não gosta de Deus”. Como ela também aprendera que Deus é nosso Pai e protetor, sentia o perigo de não gostar de Deus e consequentemente tratava de agradar os animais, o que não era difícil para ela. “Eu gosto dos bichos e portanto gosto de Deus, mas bem que eu queria conhecê-lo pessoalmente!” E assim Mariana tirava suas conclusões e criava expectativas.
O dia chegou. Um exército de amigos, parentes e vizinhos estavam ali e como um turbilhão foram varrendo tudo para os ares, isto é, para o caminhão da mudança. De repente Mariana estava com uma mochila nas costas entrando no fusca do pai e partindo para a capital junto com sua família.
No começo as muitas novidades distraiam Mariana e amenizavam a enorme saudade que sentia de sua terra natal. Na escola era tudo tão diferente, não tinha amigas e bateu a insegurança, por isso Mariana não estava indo muito bem nas notas escolares, para espanto de seus pais.
Apesar da pouca idade, embora não soubesse definir seus medos, Mariana lutava para adaptar-se, para mostrar superação e tirar o melhor proveito possível da nova situação. Começou desenhar as montanhas que cercavam a cidade. Elas eram uma grande novidade para a menina e de certa forma, representavam os obstáculos a serem vencidos.
Mariana começou frequentar a biblioteca da escola e descobriu um prazer enorme na leitura. Aprendeu sobre outras culturas, seus valores e modo de viver. Ao ler histórias, descobriu acontecimentos que se relacionavam com sua vida, seus medos e desejos. Pouco tempo depois Mariana se cadastrou na Biblioteca Municipal - Ala infanto-juvenil, e assim podia pegar livros emprestados. Leu muito, sonhou... e como “viajou”!
Mas havia um texto no seu livro de Língua Portuguesa que era o seu preferido, de autoria do escritor Humberto de Campos. A narrativa em primeira pessoa, relatava a saudade do autor de sua infância perdida. Estava em São Luís, “homem-menino enrijecendo o corpo no trabalho bruto”. O autor então se lembrava de um cajueiro, que era a sua árvore querida, seu navio. Ele subia no galho mais alto e lá de cima, do mastro de seu navio, ele gritava e balançava à mercê das ondas bravias. Quisera ele ter raízes, como seu cajueiro, para nunca ser arrancado de sua terra querida.
O tempo passou, Mariana voltou a brilhar na escola, formou-se em um curso superior e foi fazer mestrado na França.
- O que você vai levar na sua bagagem além de roupas, Mariana? – perguntou uma amiga.
- Acho que vou levar uns dois quilos de feijão e umas mangas...